No Arraiá da Garoa

Era
uma das festas que mais gostava. Uma das preferidas.

Uma
das poucas festas do calendário que possibilitava prazer sem culpa. Nada pior que festejar e contabilizar
faltas. De quem não tem como – ou por que – celebrar. Enfim. Não era momento de
pensar na outra festa. Muito menos de filosofar sobre a outra festa. Nada de
buscar impedimentos ao prazer. Sobre isso o mestre austríaco não cansava de
alertar. Não faltaram foram capítulos. Escreveu muitos. Acrescentou muitas
notas de rodapé. Avisou. Preveniu. Sobre o prazer de cortar o prazer. Estava certo.
 

Agora
o momento era de aproveitar esta. A festa democrática. E quanto menos – mais inspiração.
Quanto mais rural – mais invejado pelo citadino. Uma verdadeira festa dos contrários.
Onde o valor estava não no ter. Mas no ser. Até no fingir. Perfeito. Podia se
divertir. Podia rir à vontade. Não denunciava classe social. Economia local ou
mundial. Não fazia contas. Nem juros. Nem sobretaxas.

De
onde viera – era até feriado. Ficou lembrando.

Os
preparativos começavam quase um mês antes. Uma celebração. Fogos coloriam a
noite. Estrondos pequenos e grandes avisavam os locais mais movimentados. Crianças
e adultos se confundiam em roupas coloridas e chapéus de palha. Havia bochechinhas
pintadas de vermelho e bigodinhos pintados de preto. Tudo bem simples. Mas com
muito apuro e cuidado.

A
música era ritmada por uma sanfona. As letras nem sempre exigiam bom gosto. Mas
garantiam uma boa dança. Mãos na cintura. Ar de conquista. Que cada um arrumasse
seu par. E a noite ficava de risinhos e piscadinhas. Com a Lua por testemunha.

Isso
sem falar nas comidas típicas. Nas bebidas. Licores caseiros. Faziam a cidade
mudar de cheiro. O amarelo circundava mesas e mesas. Sob muitas formas. Muitas
receitas. Cremosas. Tinha as que podiam ser cortadas. As que podiam ser
bebidas. Sempre aromatizadas com canela. As espigas dos milhos envoltos em sua
folha verde.

No
centro da festa – as madeiras queimavam. Uma fogueira. Um trabalho de arte. Trançando
toras para deixar o centro – livre –  fumegante. Brasa. O vermelho dando o tom de
luz. De caminho.

Riu
com a lembrança. Os bilhetinhos da sorte. Os recadinhos amorosos.  Os risinhos dos mais tímidos. O olhar dos mais
afoitos.

Os
alertas das mães. Cuidado. As vozes dos pais. Fiquem por perto. Os gritinhos das
crianças. Olha para o céu.

Tudo
isso a compor a festa. Lá de onde viera.

Agora
estava longe. Bem longe. Onde morava também tinha comemoração. Mas não tinha
festejo. São atos diferentes. Pode até existir festejo sem comemoração. Mas o
contrário não se faz completamente possível.

Eles
que organizaram. E foram logo avisando. Roupa a caráter. Seremos nós seis. Lá
em casa. Dia tal a tal hora.

Além
da sua memória – os tinha por perto. Juntando tudo – um festejo comemorativo. Em
alto estilo. Maravilhoso.  Riu – quando assim
concluiu.

A
noite estava muito fria. Uma chuva fina caia sem parar.

A
casa estava linda. Bandeirinhas coloridas seguiam contornando a sala e quartos.
Num cantinho duas cadeiras altas. Lugar do beijo. Em frente – numa banqueta – uma
cestinha com fita vermelha, papeizinhos e canetinhas. Correio elegante. Na varanda
um aviso. Prisão.

A
mesa expunha os mil sabores. Os bolos e pé-de-moleque se dividiam entre milhos
e pipocas. Eles sempre cuidadosos. Acolhedores. Ele levou os chapéus. De palha.
Ela chegou de trança postiça. Vestido de rendinha colorida. Ela usando a bota
fruto de um susto. Ele de camisa xadrez. Palhinhas no cantinho da boca. Bigodinhos
pintados. Fotos instantâneas. Programadas. Sentem logo antes que o flash
dispare. Disparou antes. Novamente. Posição de caipira. Risos muitos. Esse bilhetinho
deve ter sido dela. Como assim prisão. Não quero ir. Como assim sou perigosa. Ele
ficou com pena de mim. Vamos ficar só no lugar do beijo. Mais risos.

Com
a música – os pares se organizaram. Três pares. Dançaram. Não tinha grama. Mas
tinha tapete. Não tinha fogos. Mas tinha luz. Não tinha sanfoneiro. Mas tinha
ritmo. Não tinha fogueira. Mas tinha calor.  A memória e a fantasia compuseram o cenário
para cada um.

Era
tudo que todos queriam. Festejar. Estava – alegremente – festejado. E ela –
feliz. Adorou.

    • Anonymous
    • July 1st, 2009

    Bonito texto querida!Vc é uma nata de escritora altamente competente e simples nas palavras,vc narra tão bonito que envolve qualquer um a entrar no texto e viver o personagem.Viu só quando um escritor quer colocar suas ídeias na forma escrita ñ deve complicar.Parabéns acho que estou virando seu fã.Fiz esse comentário no seu blog->http://ledarezende.blogs.sapo.pt/21733.html?view=25061#t25061

    • peter
    • July 3rd, 2009

    podia ter feito e oferecido limoncello para esta festa, faz um ano, dois anos, ou será festa de amanhã??? tudo pode ser na consciência largada !!!faz tudo parte. bem escrito.

    • Anonymous
    • June 30th, 2009

    Lêda! Viajei no tempo,que coisa linda vc escreveu.Fugí um pouco de carros que é minha paixão para poder sonhar só um pouquinho desse Arraiá da Garoa.Parabéns…

    • Cinthia
    • July 4th, 2009

    Que texto lindo! adorei e me emocinei!!!!bjs

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